quarta-feira, 18 de julho de 2007

a flor e a naúsea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?


Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
Resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam os jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que me ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Por fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista. Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem longe, bondes, ônibus, rios de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor... (Carlos Drummond de Andrade)

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